02 / 07 / 11

Crônica do Carlito Lima: Maria Bonita emTaperaguá

“Olha pro céu, meu amor, veja como ele está lindo, olha praquele balão multicor, que lá no céu vai sumindo…” Maria cantava com a garganta e o coração, rodopiava, dançava, passos batidos ao som da sanfona. Era a Maria Bonita mais linda do São João. Durante tão esperado momento dançou e cantou, a emoção fervilhava nos poros de todo seu corpo. Ao ouvir os aplausos da multidão algumas lágrimas desceram dos olhos. A enorme tenda armada no bairro de Taperaguá estava lotada. Acontecia o grande concurso de quadrilhas de São João. Na arquibancada o povo encantado com a beleza das fantasias, com o ritmo alucinante das músicas de Gonzaga, cantava, pulava, torcia por sua quadrilha predileta. Foi um ano de trabalho, de preparo, os quadrilheiros ensaiaram com capricho para meia hora de apresentação. Primeiro a escolha do tema, do roteiro vinculado à cultura nordestina. Padre Cícero, Lampião, Luiz Gonzaga, vaquejada, estão sempre presentes no enredo do espetáculo. As quadrilhas estilizadas com inspiração nas quadrilhas tradicionais apareceram nas classes mais populares em busca de mostrar seus anseios, sentimentos, suas emoções por meio da música, da dança, da arte. Assim surgiu uma nova concepção de quadrilha, entrou no gosto popular. São esmerados shows ensaiados por coreógrafos profissionais, roteiros pesquisados por historiadores, professores, fantasias belíssimas criadas por costureiros de bom gosto. Os quadrilheiros pagam as despesas das fantasias e ensaiam todos os fins-de-semana por uma ou duas apresentações durante as festas juninas, coisa parecida com as Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Maria naquele momento era o centro das atenções em Taperaguá, dançando com um Lampião bem paramentado, roupas enfeitadas de lantejoulas, bornal, cabaça, duas cartucheiras feitas talabartes no peito. Virgulino Lampião ficaria morto de inveja daquela vestimenta. O verdadeiro Lampião do cangaço dos anos 30 amava enfeitar-se; seus equipamentos, o bornal eram incrementados de estrelas e cruzes bordadas em cores, ele gostava de enfeites na vida real. “Xaxado, meu bem, xaxado, xaxado vem do sertão, é dança dos cangaceiros, dos cabras de Lampião.” E Maria Bonita dava um show de dança, o casal se destacava. Depois do rodopio ela se abaixou requebrando como estivesse lutando com a faca ameaçando em volta, rente ao piso fez riscos com a faca no chão, fisionomia braba de lutadora voltou a dançar arrastando a alpercata. Sorriu como quem ganha uma luta, vitoriosa; o povão aplaudiu em pé a bela coreografia da linda Maria Bonita. Naquele momento de glória, infinita felicidade, sentindo-se a atenção dos aplausos, veio-lhe à mente a visão rápida dos seis anos de quadrilheira, aos 16 anos conseguiu entrar no grupo, seu talento nato de bailarina a credenciou. Ano passado a Maria Bonita do grupo fugiu com um rapaz bonito, trapezista do circo. Com a vaga apareceram mais de 10 pretendentes. Maria ganhou no teste de dança, seus colegas a escolheram, era a nova Maria Bonita da quadrilha. A partir daquele momento em suas horas de folga, estudou, assistiu filmes, leu tudo que vinha à mão sobre cangaceiros, quis interpretar sua personagem da melhor forma possível. O namorado não gostou, cheio de ciúmes e despeito pela dedicação de Maria ensaiando todo sábado e domingo, a primeira a chegar, a última a sair do ensaio. Maria pensava e vivia para a alegria fugaz das noites de São João, o namoro acabou, ela pouco sofreu, seu amor à dança, à quadrilha superou a separação. Agora dançava ali na cidade de Marechal Deodoro com os companheiros de quadrilha num riquíssimo e alegre show cheio de fantasias exuberantes, a emoção, a imensa alegria, compensaram todo sacrifício. Curtiu seu de gloria, o dia de Maria Bonita. A festa acabou, todo mundo partiu, Taperaguá se esvaziou, só resta esperar o próximo ano. Maria já tem encontro marcado com o grupo, vão planejar o tema e os ensaios. Afinal a preparação, a expectativa é tão importante, tão prazerosa quanto à realização do sonho.