02 / 07 / 10

Crônica do Carlito Lima: Amor no tempo das praças

MALOQUEIRO DA DEODORO João Paulo era um rapaz irrequieto, depois colégio pela manhã, estudava até o entardecer; à noite saía pelas ruas da cidade em busca de aventuras, as empregadas domésticas eram seus alvos prediletos. Naqueles anos de juventude livre, leve e solta, namorada só dava a mão, tinha-se que recorrer às raparigas de Jaraguá ou às deliciosas empregadas. Final da noite havia reunião da turma na Praça Deodoro onde os jovens contavam as aventuras do dia. João Paulo de imaginação fértil era excelente contador de história, aumentador da realidade, entretanto, os colegas gostavam de ouvir as histórias com pitadas mentirosas de João Paulo. No final de semana não perdia uma pelada na praia, depois um banho de mar, algumas cervejinhas geladas antes do almoço. Seus pais moravam na Rua da Alegria, centro da cidade, tinham maior preocupação com o jeito de ser do filho, um divertido “maloqueiro” de uma generosidade infinita. Tinha o prazer em divertir os outros. Certa noite foi ao Cinema São Luiz, levava um embrulho, era uma galinha viva com bico amarrado, sentou-se em cima, no balcão. Em certo momento de perigo no filme de cowboy, ele desamarrou a galinha com cuidado jogou-a embaixo, na plateia cheia. A galinha voou num escandaloso cacarejo. Parou a exibição, houve tumulto, gente correu com medo. Um guarda havia percebido João Paulo jogar a ave barulhenta, prendeu-o, só o soltou quando seu pai chegou. Nosso herói era um maloqueiro nato, entretanto, estudioso, alegre e generoso. AMOR NO PRADO João Paulo de estatura mediana, forte, cabelo penteado com gumex, era metido a conquistador, deixou um bigodinho crescer, tipo Clark Gable, um sucesso, as garotas suspiravam. Certo final de ano, a moçada freqüentava a festa de rua na Praça da Faculdade, bairro do Prado, foi lá que ele conheceu Rosa, ficou encantado com a morena bonita, vestida de renda e de chita, matuta de Quebrangulo, terra de Graciliano, estudava na capital. João Paulo se engraçou de Rosa Ângela; ao ouvir seu nome, disse-lhe: “Deixaram a porta do céu aberta, alguns anjos se soltaram, uma anja, Rosa Ângela.” Ela riu bastante, conversaram muito, no outro dia ele falou para namorar, entretanto, Rosa não quis. João Paulo ficou desesperado, nunca havia tomado um fora daquele tamanho, ainda mais por uma matuta do interior. Insistiu várias vezes, Rosa firme, não queria, não quis. Os amigos sabendo da desventura de João Paulo caíam de gozação cantando uma música de Ivon Curi muito em voga na época: “Ai João Bobo é gozado… Quer casar… Com a Rosa do Prado!” Rosa nunca quis João. João Paulo nunca esqueceu a Rosa que o feriu. O MILITAR Naquela época João Paulo havia feito exames para Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza. Foi o único aprovado no Estado de Alagoas. Antes de embarcar deu uma festa de despedida em sua casa, convidou Rosa, gentilmente ela aceitou, mas arrefeceu os ânimos de João quando apareceu de braço dado com um namorado. Nesse dia João Paulo tomou um porre de alegria pelo concurso e de tristeza por Rosa Ângela, seu anjo. João Paulo fez carreira, tinha facilidade em ciências exatas, o que ajudou muito a cursar os seis anos de Escola Militar. Nas férias perguntava por Rosa. Certa vez lhe informaram, seu amor havia casado com um pernambucano, morava no Recife. João continuou a vida, fez brilhante carreira militar em 35 anos. AS PEDRAS SE ENCONTRAM João Paulo hoje é coronel reformado, viúvo, quatro filhos, todos bem encaminhados, sem problemas. João retornou à sua terra, pesou na decisão o carinho da família e dos amigos de juventude. Dias atrás o levaram para assistir ao jogo do Brasil numa casa de amigos na praia do Francês. Certa hora ele percebeu uma senhora, morena, bem conservada, bonita; sentiu que o rosto era familiar, conhecia aquela mulher. De repente seu coração bateu forte, era Rosa, sua Rosa Ângela que nunca esqueceu, havia dentro dele um amor incubado em muitos anos. Foi ao seu encontro, perguntou se era mesmo a Rosa de sua juventude. Ela sorriu: “Meu querido João Paulo você não envelhece.” Foi uma tarde alegre de muita conversa, Rosa contou sua vida. Não foi feliz no casamento, dois filhos, dois netos, entretanto, era uma solteira feliz. Marcaram encontro no outro dia. João Paulo era só emoção, voltou a ser menino, o maloqueiro da praça, apanhou Rosa Ângela, seu anjo, no local combinado. Passaram uma tarde de amor. Amaram-se em busca do tempo perdido, 35 anos de amor e desejo contido. Rosa confessou, na juventude teve medo, medo da atração por João Paulo, medo do maloqueiro, do jovem cheio vida, teve medo da vida, o que jamais acontecerá.